12/08/2008

Negados Pedidos



Negados Pedidos

Quero te pedir uma caixa de pratos novos e bem bonitos pra eu presentear o moço do restaurante que me dá comida. Ele é muito bondoso comigo mas, tadinho dele, acho que nunca tem prato sobrando: sempre me dá comida num pedaço de papelão.

Quero pedir também pra você não deixar mais entrar tanta poeira nos carros lá do cruzamento onde eu peço uns trocados. Sempre que eles param no sinal fechado os moços levantam os vidros na minha cara (deve ser por causa da poluição) e daí eu volto pra calçada sem ganhar as moedas.

Quero também pedir pra que o dia da moça bonita da lan house não seja tão longo.
Pois toda vez que eu peço pra ela me deixar olhar os meninos jogando no computador ela fala pra eu passar amanhã.

Todos os dias, uma garotinha que mora naquele apartamento, finge que come o sanduiche de alface que a mãe lhe dá mas joga o lanche pela janela.
Se der, pede pra ela jogar um pouquinho mais longe, do lado de cá, porque toda vez eu tenho que pular o muro pra alcançar a lixeira do prédio.

Obrigado, papai do céu!
Não se esqueça de deixar a luz da rua acesa depois que eu dormir. Por aqui passa muita gente e eu tenho muito medo dessa tal violência de quem os adultos tanto falam.

Ah... se o senhor puder também, se sobrar um tempinho, fala pro Papai Noel que o endereço que eu informei na carta, pra entregar meu presente, é aqui mesmo nessa avenida.
Ele nunca acha a minha casa (como todos os anos) mas acho que é porque esse viaduto não tem chaminé, né!

Boa noite, papai do céu!

* * *

11/07/2008

Tirando o capacete


Tirando o capacete

Você que já ficou preso no vio-lento trânsito da cidade, zapeando impacientemente o rádio do carro onde o assunto principal não é outro se não o próprio trânsito (com direito a ruidos de helicópteros de fundo e tudo), certamente já deve ter se perguntado:
Quem será esse desgraçado que passa por mim como um louco por entre os estreitos corredores - se não poloneses, pelo menos paulistanos - arranhando quase sempre o meu reluzente retrovisor como se quisesse desafiar as leis da física, tentando encurtar o espaço entre o tempo e a distância?
Quem será ainda esse marginal das marginais que sempre acha uma "brecha" de escape por entre a trama de luxuosos e imponentes símbolos de status - aquele alí tem airbag até no teto (vai que cai um avião...)?

Quem será esse "cavaleiro negro" que montado em seu cavalo de duas rodas trava uma verdadeira batalha diária contra enormes dragões cuspidores de fumaça?

É... mas hoje eu vou lhe contar, ou melhor, vou tirar o capacete:

Eu sou aquele que acorda cedinho pra levar a informação fresquinha à sua porta enquanto a maioria ainda descansa sonhando com boas notícias (não me culpe se só te levei más)!
Eu sou aquele que leva o que você vendeu para aquele que vai receber o que acha que comprou (...na foto parecia ser maior)!

Eu sou aquele que morre todos os dias em nome dos seus papéis e embrulhos (que você julga tão importantes) presos às minhas costas, como um fiel mensageiro medieval que agoniza no chão enquanto agarra com a própria vida a carta do rei! Confesso que às vezes levo sorte e apenas dou trabalho ao ortopedista e meu colega é quem morre no meu lugar.

Também sou aquele que numa chuvosa, fria e violenta noite de sábado te levou pizza, refrigerante barato e até cigarros que você - covarde e preguiçosamente - pediu usando apenas um "esfregar" de mãos na lâmpada mágica da tecnologia enquanto me aguardava na sua segura e confortável fortaleza.

Eu ainda sou aquele que leva suas idéias de um canto pro outro para que você tenha mais tempo de ter novas idéias!

Muito prazer! Sou o "motoboy" e estou presente neste texto escrito apressadamente (ainda tenho mais duas entregas) e que você por não ter nada melhor a fazer ou apenas pra passar o tempo, no seu computador portátil começou a ler.

Assim que você conseguir se livrar do trânsito e chegar com segurança em casa, pense nisso!Mas não precisa ter pressa, pense com calma!Afinal de contas, o apressadinho aqui sou eu.

* * *

09/07/2008

O mal "estar" do Sr Gerúndio



O mal "estar" do Sr Gerúndio

Depois de vários minutos ao telefone, finalmente sou atendido:
- Digite 1 para isso, 2 para aquilo, 3 para voltar às opções... blá, blá, blá...

Ufa!! Consegui!
Mereço o Prêmio Nobel da paciência!
Uma voz tão robotizada quanto a gravação me atende (era a famosa atendente da compainha):

-Bom dia, senhor! Em alguns instantes eu "vou estar" lhe encaminhando pro setor específico e eles "vão estar" lhe ajudando. O senhor "vai estar" aguardando na linha ou "posso estar" retornando a ligação, senhor?

Do lado de cá, eu respondo friamente (não tão frio quanto a atendente; ninguém é tão frio):

- Sim! "Vou estar" aguardando na linha!

Enquanto espero, certamente vou ter muito tempo pra pensar e pensei mesmo:
Até quando esse maldito gerúndio vai estar (agora é sem aspas mesmo) enfiado na nossa língua?

Assaltaram a gramática?
Violentaram a métrica?
É... meteram poesia na bagunça do dia a dia.
Em pleno século vinte e um, onde não há tempo a perder com palavras longas nas suas frases kilométricas, onde garotas e garotos inventam um novo idioma via mensagens instantâneas na internet (você virou "vc", também virou "tb" e assim vai...), as pessoas, num desespero frenético de enfeitar a nossa língua e demonstrar que têm o dom da palavra, enfiam esse maldito "vou estar" em tudo quanto é frase:

- Alô! O Sr ainda "vai estar" aguardando? - a moça com a voz de boneca da Estrela (lembram?) resolveu falar - Ainda "vou estar" tentando aqui, o senhor ainda "vai estar" aguardando ai?
- Sim! "Vou estar" aguardando aqui.

Não vou ser injusto, dessa vez ela demorou apenas 4 minutos e trinta e dois segundos (eu contei), o que não representou nada diante dos 12 minutos anteriores de espera (e de pensamentos):

- Qual é mesmo o seu problema, senhor?
- Meu telefone fixo não funciona! Alguns amigos tentaram me ligar e só dá sinal de ocupado!
- De onde o senhor está ligando, senhor?
- Da casa da minha mãe. Somos vizinhos.
- Por acaso o senhor não deixou o aparelho fora do gancho ou mal encaixado, senhor?
- Claro que não! Que absurdo! Não sou tão idiota assim!

Irritado por ter minha inteligência questionada por uma senhorita que fala "vou estar" pelo menos umas duas vezes a cada frase, desliguei o telefone.

Fui pra casa contrariado e pra minha surpresa o maldito telefone estava mesmo fora do gancho, mal encaixado em seu repouso.Pensei novamente.

É... aquela mocinha pode até não entender nada da língua portuguesa (assim como eu) e muito menos conhece o Sr Gerúndio, mas de uma coisa ela entende: de telefone.

tu... tu... tu... tu... tu... tu...

* * *

08/07/2008

Do Paraíso à Consolação



Do Paraíso à Consolação

Ó Avenida que grita: São Paulo, Corinthians, Santos, Portuguesa, Verdão... e Brasil
Do sincronismo dos sinais
que sempre fecham para quem precisa mais

Ó Avenida que pinta a cara amarela de branco
e que apela
pela paz que não se viu
Do sincronismo dos sinais
que sempre fecham para quem precisa mais

Paraíso é o que se espera
Consolação é o que se tem
Avenida que mora em meu peito
quero primeiro o respeito
depois eu aceito "circo e pão"

Mais uma antena lá em cima
Mais uma esmola aqui no chão
Avenida que mora em meu peito
quero primeiro o respeito
depois eu aceito "circo e pão"

Paraíso é o que se espera
Consolação é o que se tem

***